domingo, 24 de junho de 2012

Ajalá e o mito das mulas sem cabeça


Por Erick Wolff8
08/06/2012


“Ajalá modela a cabeça do homem
Odudua criou o mundo,
Obatalá criou o ser humano.
Obatalá fez o homem de lama,
com o corpo, peito, barriga, pernas, pés.
Modelou as costas e os ombros, os braços e as mãos.
Deu-lhe ossos, pele e musculatura.
Fez os machos com pênis
e as fêmeas com vagina,
para que um penetrasse o outro
e assim pudessem se juntar e se reproduzir.
Pôs na criatura o coração, fígado e tudo o mais que está dentro dela,
inclusive o sangue.
Olodumare pôs no homem a respiração
e ele viveu.
Mas Obatalá se esqueceu de fazer a cabeça
e Olodumare ordenou a Ajalá que completasse
a obra de Oxalá.
Assim, é Ajalá quem faz as cabeças dos homens e das mulheres.”

O povo Yorùbá acredita que Obatala (a maior divindade cultuada entre os yorùbá, o primeiro ser divino criado, conhecido por Òòsàálá) modela o homem do barro do òrun (mundo espiritual), ou seja, ele cria o homem, com elementos do próprio òrun, porem em momento algum diz que ele cria mulas sem cabeça, este conceito turvo, surgiu em determinado momento em que os africanos vieram para o Brasil discursar sobre a criação do mundo e os seres humanos. 
Assim que os africanos comentaram que o homem recebe um ara (corpo) e segue para buscar sua “Orí” (cabeça), logo os brasileiros entenderam e registraram o maior erro da história da cultura afro-brasileira, ou seja, nasceram as mulas sem cabeça.
Porem o erro foi que não esperaram para que fosse devidamente explicado, é que Orí é abstrato, tal quais os Odù (são considerados os pensamentos de Olorun, o senhor do òrun, odù seria caminhos ou conhecidos por destinos) que são energias mutáveis e cultuáveis, sem que tenham manifestações diretas e possuam um corpo.

Entre muitos erros de conceitos este acima é o pior, que faz com que o homem seja criado como a mula sem cabeça, para mais tarde buscar orí na casa de Ajalá, mas como ele iria buscar a sua cabeça na casa de Ajalá sem que ele tivesse cérebro, ou, uma mente para pensar e desejar...

Todos sabem que Ajalá realmente é o oleiro do òrun, que possui poder de modelar orí, estas que estão ligados aos Odù e variados destinos, por isso, que o culto a orí é individual e em momento algum veremos igual à outra e ou a manifestação de nem uma delas, mesmo sendo uma divindade de suma importância para cada ser humano, tanto que é cultuado antes mesmo da feitura do òrìsà, e ao contrario do que se acredita aqui no Brasil, o indivíduo não pertence a um òrìsà, na verdade quem determina e ou deve ser responsável por aquele individuo sempre será “orí”, nem uma divindade terá poder sem que orí sancione.

“Quando alguém está para nascer,
vai à casa do oleiro Ajalá, o modelador de cabeças.
Ajalá faz as cabeças de barro e as cozinha no forno.
Se Ajalá está bem. faz cabeças boas.
Se está bêbado, faz cabeças mal cozidas,
passadas do ponto, malformadas.
Cada um escolhe sua cabeça para nascer.”

Realmente há possibilidade do indivíduo pegar orí deformada, por isso, que é feito o ritual do Ebori, para que possa tratar orí e ao mesmo tempo rever seus votos, desejando novos caminhos, para isso, o indivíduo deve passar por determinados rituais e preceitos. 
Outro ponto a discutir é o fato de se ter ou não um igba-orí (recipiente de louça, contendo alguns fetiches representando orí), nem todos os indivíduos precisam ter um igba-ori, o sacerdote pode muito bem dar um Ebori, sem que seja preciso manufaturar um igba-ori.
Então porque se ter um Igba-ori, se não há necessidade de ter um igba-ori, para cultuar esta divindade abstrata tão importante?
Muitas vezes um indivíduo, quer apenas dar um Eborí sem criar vínculos com a casa, nada impede que uma pessoa possa fazer isso, porem para aqueles que desejam seguir o culto a òrìsà, ou, os rituais yorùbá, pode manufaturar um igba-orí, para que possa tratar e cultuar o seu òrìsà individual com maior detalhes.

“Cada um escolhe o ori que vai ter na terra.
Lá escolhe uma cabeça para si.
Cada um escolhe seu ori.
Deve ser esperto, para escolher cabeça boa.
Cabeça ruim é destino ruim,
cabeça boa é riqueza, vitória, prosperidade, tudo que é bom. ”

Outro equivoco, pois o individuo não tem como saber o que contém um orí até que chegue no aiye (plano físico), desta forma, não há como ele escolher uma boa cabeça, nem ser esperto com algo que ele não possui este direito, pois segundo a cultura yorùbá, a indisciplina de Ajalá é clara, pois ele não consegue criar todas as cabeças perfeitas, porem pode escolher uma boa, se o indivíduo fizer uma paga para ele, mas como um indivíduo poderia fazer um ebo (oferenda) se ele não possui elementos para isso no òrun, caso fossem assim não haveria pessoas com orí problemáticos.
Por isso, acredita-se que a família do indivíduo que irá nascer pode auxiliar, consultando o oráculo para descobrir um ebo para oferenda para aquele indivíduo que está para nascer. Porem de qualquer forma há possibilidade de através do culto ao orí de melhorar a condição do orí daquele indivíduo através do Eborí.



Bibliografia
Mitologia dos Orixás
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Ajalá modela a cabeça do homem. Wande Abinbola, 1975, pp. 32-3, 125-32. Ajalá está esquecido no Brasil, tendo sido substituído por Iemanjá, a dona das cabeças, a quem se canta, no xirê, quando os iniciados tocam a cabeça com as mãos para lembrar esse domínio, e na cerimônia de sacrifício à cabeça (bori), rito que precede a iniciação ao orixá daquela pessoa. A cabeça, o ori, é associada ao destino, que não pode ser mudado, e mesmo a infelicidade é entendida como conseqüência de uma escolha mal feita. Em Cuba, conforme vários mitos, Odudua teria feito as cabeças, as quais são cultuadas no assentamento individual de cada iniciado da entidade denominada Ossum, que na mitologia africana é uma das mulheres de Orunmilá. Não confundir com Oxum. 


Postado por Ilé-ọba Óbokún Àṣẹ Nàgó'Kọbi às 21:55 1 comentários




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